UM SÉCULO E TANTO
Tenho lido muita coisa sobre o atual momento que estamos atravessando, como essa geração não passou por nada tão traumático - ao menos, não de forma direta - talvez essa seja a primeira vez que a ideia de cerceamento da liberdade é posta, ainda que seja como medida de segurança sanitária nacional. Minha mãe costuma dizer que vivemos o um mundo confuso, e confusamente percebido, que no tempo dela não era assim, que estamos matando e morrendo como nunca antes. Nunca pude discordar mais de minha mãe. Uma olhada rápida em algum livro de história na prateleira é possível encontrar que no século anterior, duas grandes guerras mataram mais de 100 milhões de pessoas, a Revolução Russa matou mais de 22 milhões, a gripe espanhola matou no mundo assustadoras cifras de 50 milhões de pessoas, o conflito ideológico encabeçado por uma Rússia comunista e um Estados Unidos capitalistas que desenfreou guerras civis por todos os quatro cantos do planeta, a consequência de uma guerra fria aqui acarretou um golpe militar em 1964, esse conflito mataram entre 17- 20 milhões de pessoas ao redor do planeta, foi um século chamado pelo historiador Eric Hobsbawn de Era dos Extremos. Li recentemente um artigo da Lilia Moritz Schwarcz chamado "Quando acaba o século XX?", diferentemente do que se argumenta, não foi a tragédia do World Trace Center em 2001 que marcou o inicio do século XXI, a Schwarcz argumenta que a pandemia da covid-19 marca o final do longo século XX.
Chegamos ao século XXI com muitas questões, e cheios de rancor e ódio. O Ódio não é dado a ter infância. Nasce adulto em lugares úmidos onde o ressentimento germina. O ódio é parte central da identidade de indivíduos e grupos. Os regionalismos raivosos (Sudestino contra Nordestinos e vice-versa) sempre foram, antes de raivosos, regionalismos. Aqui começa a delícia do ódio. Ao vociferar contra outros, o ódio também me insere numa zona calma. Se berro que uma pessoa x é vagabunda porque nasceu na terra y, por oposição estou me elogiando, pois não nasci naquela terra nem sou vagabundo. Se ironizo com piadas ácidas uma orientação sexual, destaco no discurso oculto que a minha é superior. Todo ódio é um autoelogio. Todo ódio me traz para uma zona muito tranquila de conforto. Não tenho certeza se sou muito bom, mas sei que o outro partido é muito ruim, logo, ao menos, sou melhor do que eles. É um jogo moral denunciado por dois grandes judeus: Jesus e Freud. Mas o ódio apresenta outra função interessante. O ódio, como vários ditadores bem notaram, serve como ponto de união e de controle. O ódio é gêmeo do medo, e pessoas com medo cedem fácil sua liberdade de pensamento e ação. O ódio é uma interrupção do pensamento e uma irracionalidade paralisadora.
Estamos vivendo o período plástico onde ninguém ouve ninguém - você chega em casa e diz "estou cansado" a outra pessoa dirá "Eu também".
Ninguém concerta mais nada, a primeira discussão do casal e você escolhe trocar de parceiro ou parceira porque sentar e conversar sobre o problema talvez tome um tempo que vocês não possuem.
O mundo se tornou, para tomar uma metáfora do Sociólogo Baumam, Liquido. Eu te olho, mas não te vejo [Eu mando um 'Oi' via mensagem, eu sei que existe um alguém do outro lado, que eu não o vejo]. Estamos em todos os lugares e em lugar nenhum, o Henri Lefebvre filósofo francês escreveu que o problema urbano do século XXI será este, viver a simultaneidade dos lugares e dos espaços e não está em lugar algum, noutras palavras: você trabalha a semana inteira e marcou de encontrar com amigos no sábado - seja no restaurante, no bar, na praia - vocês passam a semana trocando mensagem sobre esse encontro, fazem grupos para continuar falando sobre o encontro que acontecerá no fim de semana, chega então o dia de se encontrarem, acontece que sentam numa mesa e passam todo o momento presos à uma tela de cristal a um display que você toca e eu não sinto - que você fala e eu não escuto. Já não se vive o momento 'agora', todos estão vivendo o momento posterior, e é impossível ser feliz assim.
O amor se tornou liquefeito - eu não concerto mais, eu troco. O amor está catalogado em aplicativos, que olhando o tamanho, peso, a cor, as preferências musicais eu vou selecionado por uma gama de fatores. E se eu não gostar do papo da pessoa ou discordar de sua posição ideológica , bem! Eu posso descartar e voltar para o cardápio.
Discordo de minha mãe que este século tenha matado tanto quanto no século dela. Discordo da Schwarcz por pensar que a pandemia marcou o inicio do Século XXI. Mas numa coisa essas duas mulheres estão certas, este século está mesmo uma ...
Redator: Elieltonsoul